quarta-feira, 22 de maio de 2013

A bandeira do movimento gay entra em campo, onde torcedores se unem para combater homofobia no futebol

No estádio de futebol lotado, o time da casa marca um gol. Na comemoração, um grupo hasteia uma bandeira com as cores do arco-íris, símbolo universal do movimento gay. A cena, impensável para alguns, vem sendo ensaiada por torcedores de vários clubes brasileiros, que pretendem levar para os campos de futebol a luta contra a homofobia.

A causa já tem o apoio de torcedores de vários grandes clubes brasileiros, como Atlético-MG, Cruzeiro, Inter-RS, Bahia, Palmeiras, Grêmio, São Paulo, Flamengo e Corinthians.

O movimento começou há pouco mais de um mês, quando uma torcedora do Atlético-MG criou no Facebook a página Galo Queer. O nome une o apelido do time a um termo em inglês usado para se referir a gays de forma pejorativa, que, no entanto, acabou sendo apropriado pelo movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

A torcedora, uma cientista social de 23 anos que prefere não ser identificada por temer agressões, diz à BBC Brasil que resolveu criar a página ao retornar de uma temporada no exterior. Em sua primeira ida ao estádio depois da volta, ela diz ter ficado "muito incomodada com os gritos homofóbicos da torcida e o fato de parecerem mais importantes que o hino do clube".

Em poucas semanas, a página ganhou mais de 5 mil seguidores. Mesmo assim, nos primeiros dias, ela conta que muitos atleticanos enviaram mensagens agressivas à comunidade por discordarem da bandeira ou pensarem que se tratasse de grupo criado por cruzeirenses, maior torcida rival, "só para zoar".

Com o tempo, e à medida que ela publicava textos em defesa da causa e do clube, as reações negativas foram sobrepujadas pelas positivas. Animada com a crescente popularidade, ela se prepara para um importante teste no domingo. Pela primeira vez, membros do grupo se reunirão para assistir a um jogo do Atlético – ainda não no estádio, mas num bar em Belo Horizonte.

Página ao lado Galo Queer, no Facebook, deu início ao movimento
"Queremos ver a reação das pessoas, para não deixar o movimento ser só virtual." Se não sofrerem rejeição, pretendem distribuir panfletos e até se identificar nos estádios com bandeiras e outros símbolos.
Presença feminina e divisões de gênero. Inspirados pela Galo Queer, outros grupos de torcedores seguem o mesmo caminho. Em comum, quase todos têm importante presença feminina, relacionam-se bem entre si e buscam combater não só a homofobia, mas a discriminação contra mulheres no futebol.

Uma das administradoras da página Grêmio Queer, a socióloga Kátia Azambuja, de 25 anos, enumera as agressões sofridas por mulheres que vão ao estádio: "Para ir ao banheiro, sempre rola uma passada de mão, um puxão no cabelo, alguém que fala uma gracinha."O criador do grupo Bahia EC Livre, um jornalista de 29 anos, engrossa o coro: "Por que o futebol só pode ser ambiente hétero e para homens?".

"Quero assistir aos jogos no estádio, quero participar, mas tenho que ficar como um agente duplo: ao mesmo tempo que estou ali, ninguém pode saber que sou gay."

Autor de dissertação de mestrado sobre o comportamento dos homens nos campos de futebol, o pedagogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gustavo Bandeira diz que o estádio influencia e é influenciado por nossa cultura.

"Ali ensinam-se duas coisas muito importantes: quem tem sexualidade legítima e quem não tem. E também que, para que o homem viva sua heterossexualidade com êxito, deve pregar o ódio aos homossexuais."

Causa tem o apoio de diversos clubes brasileiros
Bandeira diz que o futebol reforça divisões de gênero ao valorizar características tidas como masculinas, como a virilidade e a disposição para o combate, em oposição a aspectos associados às mulheres, como a delicadeza e a emotividade. Ela cita no estudo uma declaração do técnico Abel Braga sobre Sidnei, ex-jogador do Inter-RS – o atleta, segundo o treinador, "era muito meigo para um zagueiro". O pesquisador afirma ainda que, embora homofóbicas, as manifestações das torcidas sugerem que apenas os sujeitos em posição passiva no ato homossexual têm a masculinidade em risco. Um exemplo da postura são os gritos que instam os adversários a praticar sexo oral neles (o popular "chupa!").
Declarações de amor

Paradoxalmente, Bandeira também nota que, no mesmo ambiente em que se ressalta a virilidade, se permitem afetos nem sempre tolerados em outros locais, como as declarações de amor ao clube e os abraços coletivos após os gols.

Gremista, o pesquisador aborda em seu mestrado atitudes racistas de apoiadores de seu time voltadas a torcedores rivais, do Inter. Na década de 1940, gremistas passaram a chamar os adversários de "macacos", referindo-se à presença de negros na torcida. Cinquenta anos depois, diz, os torcedores rivais adotaram o termo e passaram a promovê-lo como sinal da tolerância do grupo.

"Hoje ninguém (no Brasil) quer ser identificado como racista, mas ninguém ainda se preocupa em ser identificado como homofóbico", compara. Porém, caso a homofobia nos estádios brasileiros acompanhe a trajetória do racismo, ele avalia que provocações homofóbicas atuais perderão efeito – como referir-se aos são-paulinos como bambis.

Para reverter o estigma associado ao termo, quatro torcedores do São Paulo criaram em abril a comunidade Bambi Tricolor. "Se até agora bambi foi um apelido usado para discriminar, por que não adotá-lo com orgulho e desarmar o preconceito?", questiona o grupo no Facebook.

"Hoje ninguém (no Brasil) quer ser identificado como racista, mas ninguém ainda se preocupa em ser identificado como homofóbico"

Pesquisador Gustavo Bandeira
Mas uma das criadoras conta à BBC Brasil que a comunidade, com quase 900 seguidores, gerou resistências inclusive entre sua família, formada por "são-paulinos roxos". "Meu avô adorou a ideia, mas meu pai ficou revoltado."

Entre dirigentes são-paulinos, o termo também causa desconforto. Conselheiro do clube, o vereador Marco Aurélio Cunha (PSD) pediu em 2011 ao apresentador Marcelo Tas que "pensasse melhor nas brincadeiras" que vinha fazendo com o São Paulo.

"Se um cara na rua brinca e me chama de bambi, faço de conta que não é comigo. Mas se um sujeito importante faz isso, abre a possibilidade de todos fazerem", ele diz. "Quando se diz que um cara é viado, isso pega. É uma deturpação de imagem importante, se ele não é ou não quer que se diga isso."
Torcidas organizadas

Para Cunha, a homofobia é uma das vertentes da violência no futebol, que tem como principal agente as torcidas organizadas. "Com medo de mexer em vespeiro, o clube fica oprimido, e o silêncio de todos é que cria a rede de novos conflitos que vão se dividindo em alvos específicos".

Ele diz crer, porém, que em algumas décadas as piadas homofóbicas perderão efeito. "É uma questão de maturidade."

Conselheiro e ex-dirigente do Corinthians, Antonio Roque Citadini discorda e cita, como sinal do grande conservadorismo no futebol, a ausência de jogadores que se assumem gays. "A igreja vai admitir (gays), o Exército, mas o futebol será o último."

Ele afirma, porém, que os times devem condenar posturas homofóbicas de torcedores. E diz ainda que, apesar de provocações homofóbicas de alguns dirigentes corintianos a torcedores são-paulinos (que ele considera "deploráveis"), seu clube tem tratado a questão de maneira avançada.

"O Corinthians é o único clube que concordou que dois jogadores seus posassem nus na G Magazine (revista voltada a homens gays). Isso não há em lugar nenhum, nem no Brasil, nem no resto do mundo."Fonte:BBC

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