quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Venda de bebês expõe impunidade no ciberespaço,negociações acontecem sem controle da polícia e da Justiça

Basta escrever algumas palavras-chave num sistema de busca online para localizar dezenas de mulheres, de diferentes idades e origens, dispostas a doar ou adotar crianças. O negócio excede as páginas do Facebook, utilizadas por mal intencionados, como o casal de Jaboatão dos Guararapes, encaminhado ontem a presídios da Região Metropolitana do Recife depois de tentar aplicar mais um golpe quando vendia a filha de dois anos numa estação de metrô do município. São blogs, fóruns e publicações que ganham força no desejo que tantos nutrem pelo sonhado filho e pela sensação de liberdade desmedida na internet.
Há quem seja movido pelo momento, como a dona de casa Tamires Karolaine, do Cabo de Santo Agostinho, que anunciou, semana passada, no mural do site Lar da Esperança, seu desejo em adotar, desconhecendo praticar um crime. “Uma amiga estava negociando pela internet e disse estar ‘para’ conseguir uma criança. Decidi tentar. Também já dei início ao registro no Cadastro Nacional de Adoção”, disse, ao telefone. No mesmo ambiente, outra mulher, da Zona Sul do Recife, declara querer doar o filho. “Estou grávida de quase seis meses. A única coisa que peço é um lugar para ficar até ter o bebê”, postou, no último dia 24. “É doação mesmo, não tem nada à venda aqui, como outras fazem. Um faz algo errado e todo mundo paga. Só queria uma casa porque estou morando com uma amiga”, conta.

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O problema é que a impunidade anunciada por alguns mantém acesa a esperança de muitos burlarem o Cadastro Nacional de Adoção, meio legal para obter a guarda definitiva de uma criança. “Acreditem, porque aparecem pessoas que querem doar de verdade. Eu adotei uma. Ela está com 16 dias. Estou muito feliz. Não desistam”, dizia uma usuária da página Quero adotar uma criança, com quase 600 integrantes. Há inúmeras comunidades, a exemplo da Quero doar meu filho, ou postagens no Yahoo Respostas e InForuns.

Para a Promotora de Justiça da Infância e Juventude do Recife, Daíza Cavalcanti, é preciso investir em educação, já que o crime, em si, não é passível de coibição e ainda encontra respaldo na falta de legislação para ato praticado no ciberespaço. “Você, aqui, consegue negociar com alguém na Índia. É inviável checar tudo e denunciar todos. Só podemos agir quando há indício de crime que possa ser provado. Parece que a modalidade está virando moda. Há casos em todo o Brasil e, por isso, estamos discutindo o que fazer de mais eficiente no sentido da prevenção”, afirma.

Enquanto isso, ontem uma mineira se comunicava com uma pernambucana: “Oi, tô querendo dar meus filhos. É só entrar em contato”, informava, junto a um número de telefone.

Soluções a passos lentos
A onda de investigações de casos relacionados a venda e adoção de bebês pela web, que se alastrou por todo o Brasil e foi notícia em diversos países, ainda caminha a passos lentos no estado. Termina na próxima semana o prazo dado pela 2ª Vara de Crimes Contra a Infância e a Juventude do Recife para a Facebook Brasil dar respostas sobre a identidade dos criadores e usuários da página Quero adotar.Quero doar- recife PE, denunciada com exclusividade pelo Diario de Pernambuco e TV Clube/Record. Enquanto isso, segundo o delegado Ademir Soares, o inquérito segue sem grandes avanços.

O caso da estudante de administração que negociou a filha pelo Facebook por R$ 50 mil foi entregue pela polícia ao Ministério Público de Pernambuco no último dia 27, mas apenas ontem um promotor foi designado para avaliar a denúncia. O promotor de Justiça Eduardo Tavares garantiu uma definição sobre o caso em um prazo de uma semana.

Entrevista - Filha de suspeito

O casal carioca recolhido ontem a presídios do Recife e Abreu e Lima responderão por crimes que vão além da tentativa de venda da filha de dois anos em troca de R$ 1.500, um notebook e dez prestações de R$ 200. Eles foram enquadrados no artigo 238 do Estatuto da Criança e Adolescente, que impede a promessa ou entrega de crianças mediante pagamento. Ele é foragido do regime semiaberto concedido pela Justiça do Rio de Janeiro, onde deveria cumprir 17 anos de reclusão por extorsão e roubo e foi denunciado pela filha mais velha, fruto de um relacionamento anterior. Ela revelou que ele já tentou vender as filhas para um casal da Espanha, o que pode fazer evoluir a denúncia contra o casal para tráfico internacional de pessoas.

Qual a sua relação com as denúncias?
Eu não sabia do que tinha acontecido até ontem, quando minha madrasta ligou pedindo para pegar minha irmã de 4 anos e fugir. Mas desconfiava. Eles usaram minhas fotos com a mais nova para oferecer a menina para os outros, como se eu fosse a mãe dela.

Você se surpreendeu ao saber que eles tentavam vender sua irmã?
Não. Porque eles deram um golpe num casal da Espanha em julho. Eles chegaram a mandar dinheiro de passagem e tudo. Não sei quanto ganharam. E minha irmã do meio, quando tinha um ano, ficou doente e ele tentou trocá-la por R$ 200. Eu que impedi, e depois ele queria fazer a menina parar de chorar sufocando o bebê com um travesseiro. Reclamei e acabei na rua.

E como acabou vindo morar com eles novamente?
Uns amigos dele do Rio (de Janeiro) estavam me infernizando. Entre o péssimo e o ruim, fiquei com a segunda opção. Agora quero ficar aqui mesmo porque já trabalho como manicure e fico, mais ou menos, estável.

Você queria ficar com suas irmãs?
Eu preferia ficar junto delas. Mas por elas é melhor encontrar alguém que possa dar uma família melhor. Não tenho como criar três crianças. Porque estou grávida e vai ser uma terceira quando nascer. Era o sonho dele. Do meu pai. Que eu ficasse grávida. Ele vivia me mandando engravidar para vender o bebê por R$ 10 mil. Tanto que fiquei com medo e não disse a ele que estava esperando uma criança.

Já tinha ouvido falar das denúncias de adoção de bebês pela internet?
Eu vi as reportagens. Até disse a ele. Alertei. Ele disse que sabia em que estava se metendo. Ele é muito inteligente. Mas não sei o que pensar de um pai que faz isso com a filha dele. E quando penso que é o meu pai… Fonte: Ed Wanderley - Diário de Pernambuco



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