A iraniana Ameneh Bahrami, 34, ficou desfigurada depois que um colega de faculdade com quem ela não queria se casar atirou ácido em seu rosto. Em 2011, ela obteve o direito de aplicar a Lei de Talião, mas, na última hora, perdoou o agressor.
Residente na Espanha, Ameneh voltou ao Irã para lançar sua biografia “Auge um Auge” (“olho por olho”, em alemão), sem previsão de lançamento no Brasil.
Leia o depoimento de Ameneh Bahrami à Folha:
“Nasci de um pai militar e de uma mãe professora de escola primária e tive uma infância feliz crescendo ao lado de minhas duas irmãs e dois irmãos em Teerã.Terminado o segundo grau, me inscrevi na faculdade de Engenharia Eletrônica na Universidade Eslamshahr.
Em 2003, uma senhora me telefonou dizendo que tinha um filho que estudava comigo e queria me pedir em casamento. Ela me disse seu nome, Majid Movahedi, e então fui conferir quem era.
Eu o conhecia de rosto, mas não sabia seu nome. Quando a mãe me ligou de novo, contei que não estava interessada. Não ia com a cara dele e, além disso, ele um dia havia mexido comigo durante uma oficina de laboratório, tocando minhas coxas.
Mas ela continuou ligando, dizendo que seu filho era homem e, por isso, tinha direito de escolher quem bem entendesse para ser sua mulher. Após meses recebendo ligações, exigi que ela parasse de telefonar. Ela respondeu que seu filho iria se matar se não se casasse comigo.
Meses depois, me formei e consegui um emprego numa empresa de equipamentos médicos.
Eu só soube muito tempo depois que Majid naquela época vivia me seguindo e levantando todo tipo de informação a meu respeito, desde horários até nomes de colegas.
Certa vez ele me ligou dizendo que estava disposto a me matar se eu não me casasse com ele. Não levei a sério e continuei vivendo normalmente, até que um dia, em outubro de 2004, eu o vi me esperando na frente da empresa.
Repeti que não o queria e contei que tinha um marido. Majid respondeu: ‘É mentira, pois sei tudo a seu respeito. Case comigo ou vou arruinar sua vida’.
Dois dias depois, saí do trabalho por volta das 16h30 e caminhava pela rua quando senti alguém apressado atrás de mim. Deixei a pessoa me ultrapassar e vi que era Majid, com um frasco na mão.
Ele atirou um líquido no meu rosto, pensei que fosse água quente. Ele riu e saiu correndo, e minha vista escureceu.
A última coisa que meus olhos enxergaram foi o tênis de Majid. Logo senti uma queimação atroz e entendi que o líquido que escorria pelo meu rosto não era água quente, mas ácido sulfúrico.
Comecei a gritar no meio da rua e arranquei desesperadamente minha roupa e até meus calçados, que não paravam de queimar.
Doía muito e eu não enxergava nada. Trouxeram água e eu molhei minhas mãos e braços, mas o efeito foi pior, pois minha pele começou a ferver. Um homem me disse: Não leve a água à cabeça, senão seu rosto vai se desmanchar.
Fui levada de hospital em hospital até ser atendida.
Nem na clínica de queimados sabiam o que fazer comigo. Diziam nunca ter visto um caso assim. Cinco horas depois, um médico anunciou que meu olho esquerdo estava perdido e que meu olho direito tinha chance de ser salvo.
Com ajuda financeira do então presidente Mohammad Khatami, fui fazer tratamento em Barcelona, onde uma operação bem-sucedida me permitiu recuperar 40% da visão do olho direito”.
Sem dinheiro nem teto
Ameneh Bahrami conta que com a eleição em 2005 do atual presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ele cortou a ajuda financeira que ela recebia do governo iraniano. “Mergulhei numa situação muito difícil na Espanha, sem dinheiro nem teto”.
Ela relata que em 2007, pegou uma infecção num abrigo social e perdeu de vez o olho direito. “Foi aí que decidi voltar ao Irã para pedir a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente, criada na Babilônia antiga)”.
Apesar da Justiça iraniana argumentar que a lei nunca era aplicada, Ameneh Bahrami ganhou a causa no ano passado.
O agressor Majid já estava no hospital judiciário para ser cegado, quando Bahrami anunciou que o perdoava. “Ele se jogou no chão e beijou meus pés”.
“No fundo eu nunca quis aplicar a Lei de Talião. Jamais poderia fazer isso, não sou selvagem. Eu queria mesmo chamar a atenção para o caso e evitar que outras pessoas passem pelo que sofri”, disse Ameneh Bahrami.
“Hoje o que importa é o dinheiro. Quero que ele me pague 150 mil. Mas ele foi solto pela Justiça, que não gostou de eu ter recuado da lei.
Há muita complicação, mas continuo atrás do dinheiro. Volto dentro de alguns dias para Barcelona, onde sigo tratamento e vivo com a ajuda que Ahmadinejad retomou depois que eu perdoei Majid.
Um médico na Espanha acha que pode recuperar meu olho esquerdo. Enquanto isso, quero que meu livro saia no mundo todo”.
Fonte: Folha
Residente na Espanha, Ameneh voltou ao Irã para lançar sua biografia “Auge um Auge” (“olho por olho”, em alemão), sem previsão de lançamento no Brasil.
Leia o depoimento de Ameneh Bahrami à Folha:
“Nasci de um pai militar e de uma mãe professora de escola primária e tive uma infância feliz crescendo ao lado de minhas duas irmãs e dois irmãos em Teerã.Terminado o segundo grau, me inscrevi na faculdade de Engenharia Eletrônica na Universidade Eslamshahr.
Em 2003, uma senhora me telefonou dizendo que tinha um filho que estudava comigo e queria me pedir em casamento. Ela me disse seu nome, Majid Movahedi, e então fui conferir quem era.
Eu o conhecia de rosto, mas não sabia seu nome. Quando a mãe me ligou de novo, contei que não estava interessada. Não ia com a cara dele e, além disso, ele um dia havia mexido comigo durante uma oficina de laboratório, tocando minhas coxas.
Mas ela continuou ligando, dizendo que seu filho era homem e, por isso, tinha direito de escolher quem bem entendesse para ser sua mulher. Após meses recebendo ligações, exigi que ela parasse de telefonar. Ela respondeu que seu filho iria se matar se não se casasse comigo.
Meses depois, me formei e consegui um emprego numa empresa de equipamentos médicos.
Eu só soube muito tempo depois que Majid naquela época vivia me seguindo e levantando todo tipo de informação a meu respeito, desde horários até nomes de colegas.
Certa vez ele me ligou dizendo que estava disposto a me matar se eu não me casasse com ele. Não levei a sério e continuei vivendo normalmente, até que um dia, em outubro de 2004, eu o vi me esperando na frente da empresa.
Repeti que não o queria e contei que tinha um marido. Majid respondeu: ‘É mentira, pois sei tudo a seu respeito. Case comigo ou vou arruinar sua vida’.
Dois dias depois, saí do trabalho por volta das 16h30 e caminhava pela rua quando senti alguém apressado atrás de mim. Deixei a pessoa me ultrapassar e vi que era Majid, com um frasco na mão.
Ele atirou um líquido no meu rosto, pensei que fosse água quente. Ele riu e saiu correndo, e minha vista escureceu.
A última coisa que meus olhos enxergaram foi o tênis de Majid. Logo senti uma queimação atroz e entendi que o líquido que escorria pelo meu rosto não era água quente, mas ácido sulfúrico.
Comecei a gritar no meio da rua e arranquei desesperadamente minha roupa e até meus calçados, que não paravam de queimar.
Doía muito e eu não enxergava nada. Trouxeram água e eu molhei minhas mãos e braços, mas o efeito foi pior, pois minha pele começou a ferver. Um homem me disse: Não leve a água à cabeça, senão seu rosto vai se desmanchar.
Fui levada de hospital em hospital até ser atendida.
Nem na clínica de queimados sabiam o que fazer comigo. Diziam nunca ter visto um caso assim. Cinco horas depois, um médico anunciou que meu olho esquerdo estava perdido e que meu olho direito tinha chance de ser salvo.
Com ajuda financeira do então presidente Mohammad Khatami, fui fazer tratamento em Barcelona, onde uma operação bem-sucedida me permitiu recuperar 40% da visão do olho direito”.
Sem dinheiro nem teto
Ameneh Bahrami conta que com a eleição em 2005 do atual presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ele cortou a ajuda financeira que ela recebia do governo iraniano. “Mergulhei numa situação muito difícil na Espanha, sem dinheiro nem teto”.
Ela relata que em 2007, pegou uma infecção num abrigo social e perdeu de vez o olho direito. “Foi aí que decidi voltar ao Irã para pedir a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente, criada na Babilônia antiga)”.
Apesar da Justiça iraniana argumentar que a lei nunca era aplicada, Ameneh Bahrami ganhou a causa no ano passado.
O agressor Majid já estava no hospital judiciário para ser cegado, quando Bahrami anunciou que o perdoava. “Ele se jogou no chão e beijou meus pés”.
“No fundo eu nunca quis aplicar a Lei de Talião. Jamais poderia fazer isso, não sou selvagem. Eu queria mesmo chamar a atenção para o caso e evitar que outras pessoas passem pelo que sofri”, disse Ameneh Bahrami.
“Hoje o que importa é o dinheiro. Quero que ele me pague 150 mil. Mas ele foi solto pela Justiça, que não gostou de eu ter recuado da lei.
Há muita complicação, mas continuo atrás do dinheiro. Volto dentro de alguns dias para Barcelona, onde sigo tratamento e vivo com a ajuda que Ahmadinejad retomou depois que eu perdoei Majid.
Um médico na Espanha acha que pode recuperar meu olho esquerdo. Enquanto isso, quero que meu livro saia no mundo todo”.
Fonte: Folha
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